Quando encontrei Tyler Durden em William Wilson

O texto a seguir é apenas uma exposição da minha opinião, com base em interpretações minhas. Não sou dono da razão, nem estou certo de nada. São meras suposições, pensamentos aleatórios que podem ou não ser interessantes. Há a possibilidade de você ler muita merda coisa non-sense. Você foi avisado.

Texto contendo SPOILERS referentes às obras citadas.

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O Clube da Luta é um trabalho do autor Chuck Palahniuk, publicado em 1996 e que, muito provavelmente, obteve maior reconhecimento graças ao filme homônimo, lançado em 1999. A obra se destaca por levantar diversas questões políticas e sociais, fazendo constantes críticas ao modo como vivemos, agimos, falamos e pensamos. Tanto o livro quanto o filme, embora tenham suas particularidades, estão sempre mostrando uma coisa a mais. Conforme você adquire mais experiências de vida, é uma lição a mais que o leitor/espectador absorve da história fascinante criada por Palahniuk.


Edgar Allan Poe é um autor americano, sendo um ícone do movimento romântico americano. Conhecido não somente por poemas marcantes como “O Corvo” e “Annabel Lee”, mas também por criar histórias que envolvam o horror e o mistério. Poe escreveu o conto William Wilson, que é o tema principal desse artigo e, por essa razão, permeará esse texto com spoilers a respeito deste.
No texto de Poe, somos apresentados a um narrador, que se identifica como William Wilson desde o princípio. Através das palavras deste personagem, conhecemos o passado de uma figura que, em sua infância, na escola que frequentava, começou a nutrir em seu interior aquilo que viria a ser sua sina; a perversidade que faria dele um criminoso, como o próprio narrador assume.

“Foi aí, na monotonia aparentemente triste de um mundo sem grandes motivos para recordar, que se deu o meu desenvolvimento para o erro e se completou a minha maturidade para o crime.”

Neste período, o narrador conta como se destacava de outros alunos por sua arrogância e posicionamento mais autoritário. Colocava-se acima dos outros, sendo incapaz, porém, de superar outro rapaz, que se igualava ao jovem William Wilson em todos os aspectos imagináveis – exceto por um detalhe: a sua voz. Essa similaridade ocasionava ao protagonista uma irritação que se acentuava, principalmente, pelo fato de sua “cópia” ter um comportamento protetor para com ele, oferecendo conselhos, avisos, que fariam dele uma pessoa melhor (coisa que o próprio W.W. admite). Após crescer e se tornar um homem de índole duvidosa, somos apresentados a algumas situações em que William se aproveitaria de outras pessoas com truques e artimanhas, mas, no fim, sempre era desvendado por seu doppelgänger. A vida de William, então, parece se tornar esse ciclo infindável. Para qualquer lugar que pretendia se mudar, descobria que sua cópia já havia alertado aos moradores daquele determinado local sobre a chegada do criminoso, impedindo-o, então, de cometer atos fraudulentos. Ao fim do texto o narrador conta sobre a oportunidade que tivera de encontrar-se com o outro William sozinho e, aproveitando a deixa, o mata sem pensar duas vezes. Nesse momento, o narrador revela como viu, no lugar de seu antigo inimigo, a si mesmo. Narra como viu a si mesmo morrendo; sobre como teria dado fim a uma parte importante de si mesmo.



Após essa breve análise do conto, é fácil associar os personagens com as figuras emblemáticas de Tyler Durden e “O Narrador” (sem nome, mas apelidado de Jack por alguns, e como eu o chamarei de agora em diante). Não há como afirmar que Clube da Luta foi inspirado no conto de Poe, nem que tudo se encaixa perfeitamente. É válido registrar que se trata apenas de uma mera comparação. Afinal, existem traços semelhantes nas duas histórias. William Wilson era um homem que ia contra a lei para obter bens materiais. Jack, por outro lado, é o rapaz que fazia tudo o que lhe foi ensinado como correto, de modo a obter uma vida próspera com seus bens materiais. Ambos se deparam com personalidades estranhas que mudam completamente suas vidas: William Wilson conhece um homem que procura levá-lo a um caminho mais correto, enquanto Jack passa a se aventurar com alguém quase que inescrupuloso e que não mede as consequências de suas atitudes; ambos encontram seus opostos que, ao final, revelam-se como nada mais nada menos do que a projeção de suas respectivas personalidades – o ímpeto interno de realizarem algo que não eram capazes em seus cotidianos.

  
Ainda que os dois personagens analisados possuam personalidades distintas (e, consequentemente, o alter ego de cada um também), a sensação que tenho ao parar para refletir sobre os dois trabalhos é que ambos os protagonistas precisaram vivenciar situações de perda e viverem com a constante lembrança de que “tudo está dando errado”, de modo que pudessem, finalmente, alcançar algum objetivo. A expressão de suas “segundas metades” fez com que os dois experienciassem situações a princípio desconfortáveis, mas que não passam de seus mais genuínos desejos. Desejos que talvez não sejam assumidos em voz alta, mas que se tornam explícitos por outros meios. Quanto mais Jack se deixa influenciar por Tyler, notamos o quanto sua aparência se torna decadente, conforme a de Durden cresce e ganha maior evidência. Um processo lento, mas que também se assemelha a maneira como William Wilson se sentia em segundo plano, diminuído e constantemente sendo superado por seu rival.



Tanto o desfecho de O Clube da Luta quanto de William Wilson se assemelham, uma vez que os protagonistas acabam por “assassinar” as personalizações de suas vontades reprimidas. Entretanto, não devemos nos deixar enganar. Esses são os momentos em que ambos alcançam a redenção que buscavam. Enquanto para Jack é a conclusão de uma árdua fase de aprendizado em sua vida, para William Wilson é a oportunidade de, pela primeira vez, ser tomado pelo sentimento de culpa e constrangimento – o que ele sempre pareceu ter procurado. De alguma forma, subentende-se de que ambas as personalidades foram internalizadas nos protagonistas após a “morte” de cada uma delas. É um paradoxo: só através da morte para dar vida a aquilo que mais almejamos alcançar. 

Afinal, como já dizia Tyler Durden:

Only after disaster can we be resurrected. It's only after you've lost everything that you're free to do anything. Nothing is static, everything is evolving, everything is falling apart.”

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