A Cor que Antecede o Sol

Não acho que comentar sobre os textos seja bom, uma vez que tira a interpretação do leitor, que é única. Mas acho justo relatar alguns detalhes acerca do trabalho a seguir:
1) Esse texto está ligado, de certo modo, a outro que já publiquei aqui. Recomendo a leitura para que haja compreensão de alguns detalhes comentados nesse.
2) Embora isso seja terrível, o leitor notará a repetição de determinadas palavras. Pode ser um incômodo. Entretanto, acho importante evidenciar que é proposital. x)

Boa leitura.

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A verdade, caro leitor, é que esse título não surgiu por intervenção de alguma entidade responsável pela criatividade dos escritores, que simplesmente decidiu me abençoar, dando a mim a capacidade de pensar em algo poético. Apenas tirei esse nome do álbum de uma banda que gosto bastante. E Ela também gosta, por minha causa, como talvez você possa imaginar. E por que eu estou falando sobre Ela? Porque esse texto é inteiramente sobre uma pessoa. E o que tem a ver as cores antecedentes ao Sol com isso? É o que eu vou tentar descobrir, mas não prometo encontrar uma resposta.


Esse texto é, em parte, resultado de uma chantagem que sofri. Mas não posso negar que já havia cogitado a possibilidade de escrevê-lo. É um texto que se trata de alguém específico em minha vida, mas que não nomearei, pois sei que você, leitor, também possui alguém que se encaixará nos padrões aqui evidenciados. Por essa razão, esse texto é para cada um de nós. Afinal, mesmo com as diferenças que nos caracterizam, que nos aproximam ou distanciam, os sentimentos complexos que temos em nosso coração – ou em nossa mente, cabe a você escolher – funcionam sempre da mesma maneira. Engraçado como a vida parece trabalhar, não? Podemos ter gostos tão distintos, mas nossos sentimentos atuam sobre nós igualmente. Então, dito isso, não esqueça que esse texto, embora seja sobre Ela, também pode ser sobre um “ele” ou uma outra “ela” conveniente a você. E não venha dizer que não há ninguém tão especial em sua vida. Todos nós temos. Até mesmo Ela tem, ainda que esse alguém não seja eu e isso me incomode um pouco. Ou um muito. Ou um mundo. Mas de que isso importa? Vamos às cores.

Passei boa parte de minha vida morando em um apartamento que me permitia uma vista deveras agradável. Não era nada luxuoso, mas havia alguma beleza na desorganização das ruas da classe média baixa. Acho que aprendi a ver o mundo através de olhos quebrados ainda quando garoto. Enxergar a beleza no simples e no cotidiano. E foi por causa desses hábitos que me dei conta de algo fascinante. Foram várias as madrugadas de insônia, ou a rotina que me fazia levantar da cama cedo demais, para que pudesse observar o evento em questão.

Muitos acham o nascer do sol algo magnífico, e não tiro a razão destes indivíduos. Na verdade, partilho desta opinião. Porém, existe esse tênue momento que dura pouquíssimos segundos que, ao meu ver, é muito mais fantástico. Um momento que antecede o instante em que o sol se ergue com toda a sua glória. É nesse curto espaço de tempo em que o céu assume uma coloração quase mágica. Um dégradé que encobre a terra; o azul escuro da noite que se afasta em uma extremidade, o forte alaranjado que indica a aparição da nossa querida estrela na outra. No centro, o tom arroxeado de um crepúsculo intrigante. E num piscar de olhos, esse conjunto de três cores se perdem entre si, e a manhã chega com o nascer do sol. E a tranquilidade parece dissipar. A vida segue. E apesar de todas as dificuldades e do cansaço, você anseia por aquele momento diferente no próximo dia. É uma esfera perfeita: o silêncio que toca em seus ouvidos, unindo-se ao ar gelado da madrugada que ainda não se foi por completo, e aquela pintura da natureza. Entende o que eu quero dizer, leitor?

E em que contexto Ela se encaixa com o que eu disse? É o que você deve estar querendo saber. Eu também quero. Não tenho uma resposta exata a oferecer, mas para não deixar esse texto vazio de sentimentos, arrisco dizer que Ela é, em toda a sua graça, como esse momento. Os abraços que por muito tempo aguardei, e que tive pouco tempo para aproveitar, se comparado com a imensidão do dia – das semanas, dos meses, dos anos. E que, apesar de toda a dor que sinto, apesar de todo desânimo e vontade de deixar de lado as coisas que a envolvem, uma parte de mim ainda almeja esse mesmo momento. Todo o martírio que pesa minha consciência quando penso nela não se compara à ideia de como a vida seria sem Ela. Acho que depois de tê-la conhecido e experimentado um pouco de sua simpatia, concluo que Ela é como uma bela canção. Sou incapaz de imaginar um mundo sem os versos dela. Um mundo que, sem Ela, seria mais doloroso. Mas apesar de todos os meus esforços para evitar tal acontecimento e tentar fazê-la feliz, estou certo de que não há um cenário em que eu possa estar junto a Ela. Eu não me encaixo no futuro dela. A vida é simples assim. A vida é dolorosa assim. E vou tentar explicar o porquê.


“Acho que alguém não quer que eu vá embora”, foi o que eu disse ao me despedir dela. Seus braços me apertavam e eu procurava ser recíproco. E acho que naquele instante eu não necessitava de mais nada. Queria apenas ficar ali, parado, envolvendo-a e sendo envolvido. Quase que protegido da vida, enquanto a estranha ansiedade se apossava de mim e fazia meu coração acelerar. Tão rápido que Ela era capaz de senti-lo sem muita dificuldade. Acho que se o mundo estivesse em um colapso, eu pediria a Ela para permanecer ali. Sem se mover, ou fazer qualquer som. Apenas gostaria de me perder no calor dela, enquanto esperava todas as outras coisas passarem. Enquanto sentia as cores dela que davam alguma graça à minha vida monocromática. Talvez, para Ela, nada disso tenha qualquer importância, e talvez seja uma grande idiotice. Para mim, era o que eu procurava em tempos. Concluo, então, que sou um homem feito de tolices, ainda que eu nunca tenha pedido que as coisas fossem desse jeito. Eu nunca quis ser esse eu. A vida simplesmente garantiu a mim essa condição. Se isso é bom ou ruim, é o que estou tentando descobrir.

Todos passam por tempos difíceis, e sempre afirmei a Ela o quanto era importante tê-la por perto (defina “perto”); que Ela era o ponto alto dos meus dias. Ela nunca pareceu acreditar. Mas afirmo novamente: quando me perco nas águas agitadas de minha vida que insistem em me consumir; quando imploro por socorro, é sempre Ela que está lá. Não é lindo isso, leitor? Quem é o seu salva-vidas nesse mar turbulento que cerca nossas pequenas ilhas interiores? Naqueles momentos em que quis me isolar do mundo, sempre deixava em minha alma um espaço aberto para receber alguém que fizesse com que eu me sentisse confortável. Um espaço para Ela. Arrisco dizer que ergui uma barreira que rodeava minha ilha solitária, de modo a filtrar quem eu deixava se aproximar. Permaneci isolado com meus pensamentos, o que levou a algumas desvantagens – tais como os constantes falsos sorrisos e o hábito de escrever. Em poucas palavras, sou o produto de circunstâncias infelizes. Aprendi a me manter em silêncio e saber como estar distante de todas as coisas, tanto física quanto mentalmente. Meu medo era de que os estranhos conhecidos de minha vida se aproximassem. Meu medo era não saber como guardar meus segredos. E em um Setembro qualquer de melancolia, Ela apareceu. Em um Setembro qualquer de solidão, eu mal podia esperar por tudo o que a vida me reservava.

“Acho que alguém não quer que eu vá embora”, foi o que ela também disse, com um sorriso que conquistava a minha mente, vontade e emoção. Um comentário em resposta ao meu, com um toque de humor que me arrancou um sorriso bobo. O tom de voz baixo e suave dela, devido à proximidade em que nos encontrávamos, me prendia. “I think that voice held him most, with its fluctuating, feverish warmth, because it couldn’t be over-dreamed – that voice was a deathless song”. A verdade é que eu não queria deixá-la ir. Não queria ter que me afastar. Ainda estava nos braços dela, e tinha certo receio de nunca mais me encontrar nesse ambiente confortável de novo. Sentimentos genuínos me entristeciam ao ter a perspectiva de que teria que deixá-la seguir seu caminho. E isso permanece, porém em escala maior. Diante de todas as coisas que envolvem Ela, decidi que seria melhor seguir os conselhos que a própria sempre me deu, e esperar. Esperar e ver no que resultaria.

O tempo passou. A ausência daquele abraço apertado – a ausência dela – em minha vida me entristecia um pouco, mas eu teria que me habituar a essa realidade. Contudo, eu estava decidido em conseguir aquela oportunidade mais uma vez. Valeria a pena, não importassem os sacrifícios. Tal qual a cor que antecede o Sol. Afinal, para se obter as obras mais raras, um preço muito alto deve ser pago. E assim os dias passaram, sempre procurando a companhia dela de algum modo. Entretanto, acabei por descobrir que a vida tem esse hábito engraçado de tirar as coisas que mais prezamos. E apesar de todo o incômodo que isso me causava, no fundo eu sabia que não havia razões para que o universo conspirasse ao meu favor. E eu não sei exatamente como tudo aconteceu, mas simplesmente eu senti que me afastava dela. Não por vontade minha, mas simplesmente porque tinha de ser assim.

Isso machucava. Imaginar que algo que eu tanto almejava estava sob o risco de desaparecer. E acredito que, devido ao meu ego tolo, tal realidade quase se concretizou. Notei, porém, que havia ainda uma chance de tentar fazer com que as coisas pudessem, de alguma forma, dar certo. Agarrei-me a esta oportunidade com o pouco de confiança que me sobrava, procurando deixar toda a minha ignorância e orgulho de lado. Tem dado certo, em partes, até o momento. Ainda tenho Ela próxima a mim, de alguma maneira.

Não sei se estou me fazendo suficientemente claro, leitor. Acho complexo explicar isso a você. É um assunto muito confuso para a minha inaptidão como escritor. Peço perdão por isso. Resta-me apenas escrever os primeiros pensamentos que me vem em mente sempre que Ela me vem à memória. São as coisas que compartilho com você. Mas tente compreender meu raciocínio. Pense em “ela”, ou em “ele”. Essa pessoa de extrema importância. Pense que você teve um dos melhores momentos de toda a sua vida com essa pessoa específica. E que você necessita mais e mais dela. Porém, algo muito maior do que nossa compreensão pode conceber, parece querer tirar de sua vida essa pessoa que é tão importante a ti. Você está ciente de que, eventualmente, ela terá que abandonar a sua simples história. E você, então, passa a viver esse conflito interno para procurar fazer a melhor escolha: seguir sua vida com uma dor incessante, em prol de manter por perto aquela pessoa por quem você mais tem apreço, mesmo sabendo que isso não resultará no sonho que sua vã expectativa cria; ou apenas fazer de conta que nada existiu, e apagar tal preciosidade de sua vida, levando consigo uma parte importante de você na vazia esperança de que, um dia, você possa melhorar e que a antiga solidão preencherá esse espaço que outrora pertencera a alguém insubstituível.

Eu optei pela primeira alternativa. E venho sobrevivendo, ainda que quase todas as coisas que Ela fale sempre me levem a pensar na pior das possibilidades, e ocorra todo esse horrível processo de martírio. Acho que isso é normal quando você se apega muito a alguém. Ou talvez eu seja louco. Não descarto essa possibilidade. Só não pense que estou obcecado, pois não se trata disso. Trata-se de ter encontrado uma luz no fim do túnel após tempos vivendo no escuro. Simplesmente sinto que não quero perdê-la e voltar à condição em que antes me achava. Compreende-me agora? Se sim, você deve sentir a dor que sinto. Em minha mente, os tiros lançados contra mim: “I can’t have you and I’m only gonna do you wrong”.

Eu não sei como é a sua vida com seu “ele” ou “ela”. Comigo as coisas tomaram rumos que me trouxeram confusão e incerteza. A única coisa que sei é que continuo persistindo. Não sei até que ponto vou aguentar percorrer esse caminho, mas sempre que penso em Ela, um misto de emoções negativas e positivas se apossam de mim. Mas o modo como me sinto em relação a Ela é o que me faz ter vontade de continuar. Acho que não preciso ressaltar mais uma vez o quanto Ela significa para mim. De resto, só posso esperar para ver o que vai dar.

E então eu dou um longo suspiro. Perdido em pensamentos tão complexos e, ainda assim, tão rápidos, concluo que “esperar e ver no que dá” é aceitar que não irá dar em nada. E isso me dói. Isso me corrói. E procuro não chorar ao imaginar isso, pois não posso me dar a esse luxo. E, apesar de tudo, ela ainda tem um valor muito grande. Ela é a cor que antecede o Sol da minha vida. Meus carinho é forte o suficiente para me fazer permanecer nessa estrada, confiante em uma fé cega e pobre de razão. Tudo porque Ela é Ela. E eu só tenho olhos para Ela. E enquanto Ela estiver feliz, eu também estarei. Ainda que por dentro eu me encontre destruído.

Suspiro. Evito permitir que a tristeza e a confusão transpareçam. Sozinho, penso em algumas palavras não tão aleatórias: "My heart in a million pieces, when my love went unrecognized. Between you and me, girl, I would do anything to keep you here in this dreamscaped fairy tale, where you can be my queen."

Outro suspiro. Ainda mais profundo. Esfrego os olhos de maneira furtiva.



Do outro lado do vagão, um casal. O jeito como o rapaz a abraçava com força, e a garota correspondia, fazia com que eu pensasse em determinadas coisas. Determinadas pessoas. Ou pessoa. Fazia com que eu pensasse sobre a cor que antecede o Sol: Ela.

E isso não é mais assunto para outro texto.



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